sábado, 18 de março de 2017

SOBRE A CHUVA, A ESCRITA, CÂMERAS FILMADORAS E MOLETONS COM MIJO ADORMECIDO

       Caminhei na chuva fina e não cheguei realmente a me molhar mas, ficou uma sensação de umidade.
         Muitos no centro da cidade disputando um lugar de baixo dos toldos da lojas. E o caixa eletrônico do Banco do Brasil lê minhas digitais e me permite ter acesso ao, pouco, dinheiro que é o meu.Comprar uma fita cassete ou um dvd pirata ou um vinil ou um livro no sebo ou o último número da Rolling Stones ou o beck que falta ou (o mais óbvio) não comprar nada disso!
           Não há o que chegue! Não há o que basta! Não tem o que entupa! Vinte reais de créditos no meu cartão, de ônibus, é o que basta para eu ser útil.
       Preciso bem menos do que aquele que anda de chinelo de dedo nesta chuva, arrastando seus sujos cobertores, carregando sacolas plásticas com marmitas de isopôr ou papel alumínio protegendo a comida que restou do restaurantes, cheirando a falta de banho e exalando o mijo adormecido encalacrado no tecido sujo e rôto de seu moletom.
       No terminal de ônibus, um ser dessa espécie conversa com um dos skaitistas do grupo que ali está (aparentemente fugindo da chuva e aparentemente não pertencentes à cidade). Ninguém os olha! Já havia medo e apreensão quando eles realizavam suas manobras, proibidas e não habituias, naquele espaço, imagine agora que estão dando trela pra o rapaz da sacola de plástico! São da mesma laia e não merece nossa atenção!
       Quando termina a música "Apenas um incômodo", que estava tocando no meu celular e individualizada no meu fone de ouvido, escuto um dos skatistas explicar ao cara de chinelo de dedos, cobertor, sacola de plástico, marmita, sem banho e com mijo no moletom, que ele morava com o pai e com a mãe e que desde então... Bem, Ava Rocha começou a cantar "Você não vai passar" e não pude ouvir a conclusão da frase.
       Os meninos, nem tão meninos assim, do skaite contrariam a regra e andam pelo terminal  que tem o chão plano e liso e as pessoas fazem de conta que nada está acontecendo. evitando o contato visual, ignorando os tombos e as manobras, receosos; da mesma forma que são receosos com o rapaz do chinelo, cobertor, sacola, marmita. sem banho e com mijo no moletom.
       Pego, em 2017, minha agenda de 2014 e nela começo a escrever! Neste momento sinto que entro para o grupo dos skaitistas e do reapaz do cobertor sujo nas costas: me olham rapidamente, entendem meu gesto e desviam olhar com a mesma rapidez que antes o concederam. Agora minha escrita me arma, me invisibiliza e me marginaliza. Pertenço ao grupo dos que causam receio.
       Um dos meninos saca uma câmera filmadora (encantadoramente estranha) e de repente percebemos que sua mocila é de marca e suas roupas são táticamente pareceidas com pobres roupas de pobres mas não são roupas de pobre! Aquele gesto, aquela super câmera, aquelas roupas (sim) limpas e (possivelmente) cheirosas o desmarginalizou. E quando ele sai seguindo outro rapaz com seu skaite, câmera em punho gravando um plano sequencia, em travling. ah!... Todos agora os olham e ficam felizes em supôr que els não são tão marginais assim! Não vão nos roubar! E parece mesmo que moram com (e realmente devem possuir) pai e mãe! Mandaram bem! São inofensivos com sua câmera profissional e suas roupas e mochilas de marca! Pobrezinhos! devem estar apenas se escondendo da chuva! São um de nós!
       Quando chega meu ônibus, fecho minha agenda, pauso minha escrita, me desarmo, e por parecer (agora) que tenho vinte reais para pôr no meu cartão de ônibus, não pareço mais ameaçador e me desmarginalizam também! Assim como os skaitistas, não oferço mais medo.
        (In) Feliz do rapaz da marmita de restos que agora está sozinho no grupo dos não observados. Mas por isso mesmo pode continuar a esboçar uma dança e sair falando bem alto que a chuva, o frio e os políticos são do demônio. Incólume, sem que ninguem demostre que realmente está o ouvindo, escutando aquelas verdades urgentes, evitando o contato visual. Pois essa liberdade de fazer e agir como quizer, sem interrupções indicativas, parece uma compensação que eles daõ apenas às crianças, aos loucos e àqueles tem o jundo como casa, o céu como teto e o chão como cama. Àqueles que usam chinelos de dedos na chuva, ando com cobertores rôtos nas costas, sacolas plásticas com marmitas de restos envoltos em isopôr ou papel alumínio, cheirando a falta de banho e mijo encalacrado nos seus sujos moletons.



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

AO SOL

Cuidado com minhas coisas bonitas
Cuidado com essa faca que é uma lâmina, corta!
Cuidado com o sol.

Cuidado
Com o pé na boca
Com os pulos no assoalho
Quando o disco estiver tocando.

Cuidado com a chuva
Que fica gripado.
Cuidado com a aguinha no pé
Que resvala.
Cuidado, Sol!

Com os olhos, com os dentes
Com as orelhas, com o queixo
Com o cabelo no chicle
E com o chicle no cabelo.

Não fique se mexendo muito
Porque cai aí! Cuidado!

Com o vidro cromado
Com o rolar da escada
Com o sensor da toalha de papel
Com a fita métrica
(Ela é de ferro é rápida é pesada)
Cuidado com o volume das coisas
E as coisas de volume.

Cuidado para não cair no carretel
(Dance nele com cuidado)
A pantufa na janela
O caroço da ameixa
A camiseta de sereia
O alfinete dos botons.

Cuidado
Que gliter é ruim de tirar
E as pérolas falsas
Se escondem muito bem.
Cuidado
Com a xícara no chão
E o batom no meu olho.
Cuidado
Com a Gal Costa cantando.

Cuidado para não bater aqui, ó!
Não leva choque mas quebra...
É isso que a gente quer?

Cuidado com:
A cadeira – porque fecha atrás.
A garrafinha – porque abre.
A comida – porque tá quente.
O chá – porque tá gelado.

Cuidado!
O chão não pode ser
Arranhado pelos carrinhos.

Ah, não!
A máscara, o boneco
O lápis de cor
O molho, as chaves
A gaita, o Laranja
O Tomzé e o Irará.
A roupa arrastada no chão
O apontador, a revista, a toalha
O marcador de página no livro
O tênis branco.

Cuidado com esse pé nos meus lençóis
Essas mãos no meu teto.

Cuidado
Com o xampu no olho
A água no ouvido
O amargo na boca
O espinho no pé.

Cuidado com a piscina de bolinhas.
Cuidado com o carvão no rosto.
Cuidado, Sol!

Não se ponha, se nasça!

Cuidado
Para não apagar minhas fotos
Limpar minhas conversas
E pegar vírus.

Cuidado
Com a bola na janela
A bola na rua
A bola embaixo do carro
A bola na cara
A bola no alto
A bola no vizinho
A bola aqui dentro.

Cuidado para não quebrar
Minha machadinha de plástico.
Cuidado com o liso do sabão.

Cuidado com o sol bravo
Da Praia Mansa
E com o cão manso
Da Praia Brava.
Cuidado com a areia, a onda, o caldo.
Cuidado para não se perder.

Cuidado
Com as suculentas da tia
O ciático do tio
O vestido do pai
O protetor da vó
A bolinha da Luna.
O povo aqui gosta de fogueira
Mas cuidado
Para não se queimar.

Tem cheiro, tem cebola
Tem censura, tem peso
Tem pimenta, tem onda
Tem pedra, tem alga
Tem gás, tem bichinho
Tem goteira, tem câmera
Tem cera, tem cena de sexo
Cuidado!
Não tem sal!

Não provei ainda!
Não vi!
Não gostei!
Cuidado com o meu excesso de cuidado.
Cuidado para não ficar achando
Que eu sou chato ou medroso ou besta!
Posso ser tudo isso junto!
Quem sabe?
Cuidado, Sol!

Veja que o tempo
Não deixa de passar e trazer
Outros precisares
Outros pisar em ovos
Outros prestar atenção
Outros fique ligado
Outros sempre alerta
Outros se toque
Outros dedos indicadores em riste
Outras atenção
E outras e tantas e muitas
E tantas muitas outras coisas.

Cuidado, Sol!
Existe eclipses e raios ultra violeta.
Cuidado com o escuro!
Cuidado com a luz!
Cuide de quem te cuida.
Cuidado quando for cuidar de alguém.
Cuide de si.