sexta-feira, 26 de julho de 2013

O ADORÁVEL HOMEM DAS NEVES

            O livro Trópico de Capricórnio, de Henry Miller, começa com a seguinte frase: "depois que nos livramos do fantasma, tudo segue com infalível certeza, mesmo no meio do caos"... Faz dois dias que estou pra começar a ler esse livro e só agora de madrugada é que tive uma espécie de coragem pra iniciá-lo. Não que eu tenha medo dele, ou que ele seja algo para escolhidos, iniciados em algum mistério ou mesmo para intelectuais cheios de recalque, nada disso; venho de uma longa jornada literária que acabou há dois dias e estava me sentindo um pouco órfão literário... Agora estou aqui com esse osso pra roer! Mas um osso bem suculento, diga-se de passagem!
Há uns sete anos atrás, comprei no sebo os volumes de Sexus e Nexus, dois livros da trilogia A crucifixarão Encarnada, e fiquei fascinado com a escrita de Miller! Do mesmo sebo levei também sua autobiografia e me encantei! Suas historias são absurdamente reais, seus heróis são pessoas de seu convívio, transformadas em literatura! Sua obra toda é um grande diário de bordo, onde a vida dita suas formas de agir na literatura! Ele personagem principal de sua obra! Sem narcisismos baratos, até porque a visão que ele tem dele mesmo é muitas vezes niilista, irônica e depreciativa! Foi identificação na primeira olhada, amor à primeira vista! E talvez essa paixão icônica que me tenha impulsionado a escrever agora, largando o livro nas primeiras oito páginas trabalhando kerouakquicamente em um escrito que não sei no que vai dar.
            Hoje nevou! Dia 22 de Julho de 2013, às 19 horas aproximadamente, minha amiga saiu da locadora onde eu estava e disse que seu guarda chuva tinha embranquecido! Corremos para ver e sim, estava nevando! Tenho uma lembrança, não sei se real, de ter visto algo parecido com neve na minha infância: um frio de lascar que de repente parecia ter sessado e o carrinho de mão lentamente se cobrindo de brancos flocos, no pátio da casa da minha vó, a poucos metros de onde eu escrevo agora. A euforia hoje foi geral, amanhã não se falará em outra coisa a não ser da neve, de o que cada um estava fazendo quando viu ela, das fotos e vídeos que se fizeram, da maravilha que é a natureza... ops, não se se das maravilhas da natureza falarão afinal de contas a muito se sabe que o tempo nunca agradou a todo mundo: se esta frio é ruim, se esta calor é ruim, se chove é o fim e se neva bem, vamos esperar o debate caloroso sobre a neve amanhã!
Eu em particular, achei lindo e ao mesmo tempo assustador. Lindo por ser algo inédito pra mim e ver a empolgação toda das pessoas, me fez pensar em como a natureza pode tornar a simplicidade a coisa mais fantástica do mundo! E assustador por pensar em como a natureza mudou, ou melhor, como mudamos a natureza a ponto de fazê-la chegar a extremos! Não ficarei admirado se o verão for de 50 graus, ou se nem houver mais verão! Implacável! O fato é que ainda neva lá fora e essa estranha meteorologia reflete um pouco meu estado de espirito, inquieto, frio, úmido, mas também novo, apenas com flocos brancos como detalhes, mas com a mesma sensação térmica de um frio que sempre houve por aqui! A imagem é nova, a sensação não! Mesmo parecendo novidade fica o pensamento ancestral de que este filme eu já vi.
            Longe de casa a mais de uma semana... Isso esta me deixando um pouco deprê! Acordei hoje agridoce, tirei minha barba e me desloquei um pouco no espaço/tempo, apesar da aparência mais jovem, não consigo ficar sem ela e isso é um incomodo! Acabei de ver o filme Impulsividade, onde um adolescente não consegue perder o habito de chupar o dedo e isso me levou a pensar em como é complicado mudar, sair da zona de conforto e brigar com seus demônios interiores... Admitir que temos coração, que somos frágeis, que as pequenas coisa doem, que criamos ilusões, que achamos cabelo em ovo, é complexo. No filme a Tilda diz uma frase que eu não lembro ela na integra, mas que era algo como ser viciado em fantasia, creio nisso sim. Agora mesmo estou eu aqui achando uma forma de colocar no papel o fato de me sentir sempre em estado de paixão pela mesma pessoa há anos! Pronto! Falei!
Acabo me sentindo como na música que diz: toda vez que eu tento me perder, acabo me encontrando perto de você... E essa é uma fantasia que criei e que não consigo mudar! Parece ser uma metáfora ao contrario da minha barba que não consigo ficar sem, quando isso acontece me sinto nu, e essa paixão adolescente-mal-resolvida vem sempre como uma lamina afiada prestes a me deixar depilado e desprotegido. Parece que as pessoas podem me olhar lá no alto de minha autoconfiança e rir com sarcasmo de minha humanidade. Não que eu seja desumano e arrogante, pelo contrario sou sensível aos outros e ao mundo, mas ficar lá em cima é algo que me é confortável! Sim... O amor é estranho e sem forma, o amor é anormal.
            Meio que me fechei pra essa historia de relação a dois, não acredito nisso piamente e nem torno isso o fator que impulsiona a minha vida, pelo contrario. Mas acho que por falta de repertorio, sempre acabo esbarrando na mesma pessoa que por ultimo me senti arrebatado. E isso já faz muito tempo! O que significa que eu deveria expandir esse repertório, desbravar horizontes interiores e deixar que novos continentes sejam descobertos em mim. Mas não me sinto disposto a isso e parece que essa necessidade me é colocada de tempos em tempos só pra me lembrar de que posso correr o risco da estagnação, que mesmo não tendo isso como a mola mestra de minha vida, é saudável deixar que as pessoas cheguem perto de você. Já me disseram que as pessoas parassem ter medo de se aproximar de mim, como se eu criasse uma barreira invisível que deixa imaculado, um ser que esta bem longe da simples questão relacional...

E quando estou nesta ociosidade de sentimento, acabo voltando para as mesmas teclas e tocando a mesma canção! É tolice eu sei, mas pra mim de nada vale isso estragaria o meu faz de contas! Mas volto agora para o Henry Miller, penso na minha infalível certeza em meio a caos e sei que isso não é um mal maior e sim apenas uma forma de a vida me deixar tranquilo quanto a minha vulnerabilidade assistida! Não há mal algum em ser ambíguo. Que se isso me acontece novamente é pra dizer que estou no caminho certo: analisando meus defeitos e os respeitando, mesmo sabendo que eles não duraram para sempre!  É o dedo que não paro de chupar, é a barba que não consigo tirar, é o amor platônico que sempre acena como sombra ao longe, é neve que surpreende a assusta pela mesma razão, ser simples... 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

MEUS BENS, MEU MAU.


Uma coisa curiosa me aconteceu nesta ultima semana: coloquei a venda alguns de meus livros e isso pra mim é muito difícil! Tenho uma relação amorosa com eles, pois afinal de contas vivi cada momento de compra, cada mês em que esperei eles chegarem na livraria para exibi-los como minhas mais novas aquisições. Gosto dessa nostalgia do livro, primo pelas edições especiais, empresto para os leitores ávidos que sempre estão prontos a retribuir a gentileza, emprestando outro titulo como refém; e até mesmos para aqueles que não retribuem nada e ainda tomam o seu livro como cativos, para assim dizer... Mas é assim mesmo... A tarefa maior do livro, sem duvida não está centrada em criar poeira em uma estante qualquer! Ou pior: em uma caixa, adormecendo, sem vida!
Vivi o ano passado todo com dor no meu coração por abandonar a grande maioria deles nas terras quentes de Maringá, sem ninguém que lhes fizessem as devidas consultas, as mais necessárias pesquisas! Ficaram por lá, separados de mim pelas circunstâncias mais "novela mexicana" que se podem imaginar, as margens da pós-modernidade. Cheguei a sonhar que um dia os recuperava e quando enfim era me dado à chance de apanhá-los, eles estavam num lugar alto demais... E como eu estava atrasado, com muito esforço consegui pegar um único titulo e de lá sai!... Freud explica! Enquanto isso, no plano da realidade, levei comigo os poucos títulos que couberam na minha mirada bagagem e que achei relevante para continuar minha saga sagarana... Todos sobre teatro! Deve ser o espanto de pensar no teatro como algo realmente redentor, um caminho sábio a trilhar pelas vias mais intensas daquela realidade solar que, se em livro, soaria como uma fabula burlesca! Mas como se trata do que existe, os ares são de amor e de todos os outros sentimentos que acompanham essa dádiva.
            Agora que a necessidade continua revirando meu lixo, pensei que um exercício de desapego não seria de todo mau, um fenki shui capitalista que, sem que eu soubesse no momento, poderia me presentear com alguma conclusão acerca de mim... Sim, continuo acreditando na força que tem a sequencia mortal da "ação-reação", mesmo ela sendo impensada inconsciente! Rapidamente me debrucei sobre os livros que ficaram e escolhi, sem muito pensar, aqueles iriam pra fita: um de exercícios da Viola Spolin, um sobre as teorias do teatro pós-dramático e outro sobre apontamentos acerca do teatro de Grotowiski... São meus companheiros de estrada, errantes pesos de papel que tanto reboliço faz, tantos olhos abrem, tanto sono dá, quantas horas preenchem... Tchau, até, fui, goodbey, aufriederzem, inté mais...
            No mesmo dia as pessoas já se manifestaram e em pouco tempo já estariam fazendo a alegria das pessoas certas! Essa magica dos livros é o barato mais interessante! Eles escolhem seus donos! De certa forma somos domesticados por eles! Como fico feliz por isso! E infeliz também, é claro! Só que essa infelicidade é mais por estar tento que me desapegar na marra do que do egoísmo de tê-los só pra mim! Mas entendo perfeitamente esse truque que os livros nos dão, fazendo com que, absurdamente, acreditemos que eles nos pertencem... Nós passaremos e eles passarinhos!
            É ai que vem a nota de esclarecimento: analisando o assunto, na rua, indo dar aula, descobri uma simbologia especial neste acontecimento: nunca mexi direito nas fichas que a Spolin fez- invento a maioria dos meus jogos teatrais e poderia ter meu próprio fichário  o teatro de Grotowiski me despertou para o modo como vejo as artes cênicas hoje e estar conectado as suas ideias é algo natural em mim, coisa explicado por aquele fenômeno, o espirito da época,  que deixa a arte flutuando no espaço- tempo para ser captada por aqueles que mais sensíveis se colocarem ( como ele mesmo que trabalhava como Artaud, sem antes saber das semelhanças dos seus trabalhos); e o teatro pós dramático, já na minha pós graduação (interrompida) vi que era a forma acadêmica, lindinha, poética, intelctualóide de falar dos processos que vejo nascer, tanto do meu lado como em mim e nas produções que gosto...
Sempre primei pelo entendimento total dos meus processos criativo, seja como ator ou como alguém tentando encontrar soluções ao manejo de cena. E essa talvez seja o ganho maior! Por olhar o processo de criação como um rizoma de conceitos que se estruturam em diferentes áreas do conhecimento; sejam elas estéticas, filosóficas, exatas, químicas, literárias, historias... E quantas mais a força de vontade de criação, buscar em seu auxilio! Dessa forma consigo assimilar com mais facilidade o quão subjetivo somos e abstratos são nossas conclusões... Nada concreto nada palpável.
             Desfiz-me de coisas que estão mais perto, mais colocados ao lado da minha razão, do que me parecia! E precisei drástica e dramaticamente me separar deles para perceber que mesmo sem nos darmos conta, as engrenagens continuam trabalhando e demarcando a hora em que a janelinha vai abrir e dela sair o cuco mais artificial e cantar que, bem ou mau, o tempo passou.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

AMOR REAL E NATURAL

Os músculos expandidos
em cada diâmetro de meu corpo negro
são os mesmos que dilatam quando expostos
ao torpor de sua passagem alva.

É difícil não entender a liberdade
Longe da oferta de seus braços,
sem o cheiro de sua candura
a invadir meu caminho!
Acostumando meus olhos a sua presença.

A embriaguez que ofereces
Também causa danos!
Embrutece o animal!
Esmaga o mínimo de cordialidade
que há no crioulo bom,
domesticado,
na proa de seu navio.

Seria capaz do ato mais cruel
para garantir o seu corpo infante,
angelical e silencioso,
a descansar no sono profundo e seguro
que sempre terás
Ao meu lado.

Talvez a morte
seja melhor aceita!
Se comparado ao medo
De que, tal qual uma tempestade marítima,
O seu amor agite meu amaro coração
E se vá...

Deixando apenas a sensação
Que você  passou sobre  meu peito
E ditou a hora de voltar à margem,
colocar os pés nas areias instáveis da minha orla!

Esperando que sua delicada mão indique o momento
De voltar a navegar o seu sereno mar.


PS: como estou trabalhando em uma adaptação do romance naturalista de Adolfo Caminha, " O bom crioulo", de 1895 para o teatro; fico rabiscando algumas coisas como exercicio e esse poema da série "Poesias do antigo primeiro grau", serve de reflexão melosa e romantica pra uma obra tão naturalisticamente à flor da pele quando essa linda historia de amor  animal... que acontece assim na terra como no mar, superando todo pensamento moral do fim seculo  XXI ...ops... errei XIX !