Lembro
do primeiro dia que fui no Clube Asa Delta, não quero me ater muito a datas,
mas sei que não fazia muitos anos de sua inauguração! Não sei quem me levou,
mas eu era bem jovem, com uns 12 ou 13 anos (sempre fui metido a mais velho,
até agora sou). Dancei bastante, cena show, com direito a rodinha de aplausos e
palmas ritmadas durante a performance... um luxo só! Quando não havia o clube
naquele espaço, íamos para escola por um carreiro feito por insistência da
população, naquele terreno gigante que até hoje não foi totalmente habitado. De
repente surge suas estruturas e o galpão de algo que não sabíamos o que
seria e não tínhamos ideia da mudança que ocorreria na Vila e em nós mesmos.
Houve
um vendaval absurdo na região logo quando eles inauguraram o clube e ele, assim
como o futuro ginásio de esporte, voou! Criaram a lenda de que o nome Asa Delta
era por que já tinha voado uma vez! Claro que é uma piada, ele sempre se chamou
assim, mas a piada de propagou com o tempo. Aliás, nomes, apelidos, designações,
formas de se referir a ele nunca lhes faltaram, para o bem ou para o mau! Sei
de: “Tidão” (tidão soco, tidão facada, tidão tapa, e assim vai...), “Derta”
(quase que segundo nome) “Asa”, “Zé Carlos” (nome do meu amigo proprietário, as
pessoas falavam: ”vai no Zé Carlos hoje? ”), “Clube”, “Sarau”, “Risca Faca”,
enfim...
Nos
primeiros anos tínhamos dois dias de funcionamento, sexta e sábado. Na sexta
eram os chamados Saraus e nos sábados Baile Gaúcho... com a nata dos conjuntos
musicais de Guarapuava, Pinhão e região. Depois veio o domingo com mais
“balanço” e por fim haviam duas pistas de dança e tudo acontecia ao mesmo
tempo. Vou tentar falar das características desses eventos.
Os
Sarais eram os meus preferidos! Combinávamos com a turma, fazíamos um esquenta
íamos para frente do clube. Muito comum era que sempre tinha alguém sem grana
para entrar (muitas vezes essa pessoa era eu), aí então vinham as
possibilidades: falar para fazer mais barato, ficar esperando lá fora enquanto
alguém ia ver se “cavava” com outro alguém dinheiro ou se tudo desse, errado esperar a
bondade do Bodinho (porteiro mor) que poderia deixar entrar nos instantes finais...
Tinha noites que lá fora era mais divertido, e badalado. Pois como já disse,
muitas vezes ficava lá fora, antes por estar sem grana e depois, com a lei
antifumo, saia para fora fumar e nunca mais voltava (aliás um habito eu adquiri
com a nova/velha lei: “ficar mais na ala de fumastes...”).
Nestas
noites tinha som mecânico com os djs residentes, as vezes convidados. Muitos
passaram por essa função! Me recordo do Júlio, do Carlão, do marcante DJ
Albino, que cresceu discotecando aos nossos olhos, e tinha que ouvir nossos pedidos
e oferecer nossas músicas... “E fica a última da noite! ”... Quantas vezes não
ouvi essa frase!!!! Seja quem fosse era
sempre guiado por uma rígida seleção musical que tocava sempre as mesmas
músicas e as mesmas sequencias de gêneros.
Primeiro
“balanço” ou “tunch tunch”, como o melhor da década anterior, vejam só... Muita coisa dos anos 80 e 70 tipo, Modern Talking, Francsco Mapoli com sua “Balla
balla”, Vengaboys, A música que falava “eu quero uma canção que libere as
emoções pra cantar pra dançar...” que tocava três vezes seguidas! Acreditem!
Uma em cada idioma! E seguidas! Inglês, português e espanhol! Por que?! Sempre
foi um mistério para mim! Também tocava coisas que rolavam nas rádios, mas
nunca com o toque de modernidade exigida, só quando levávamos o CD e
contribuíamos com os sucessos... rolava sambas, axés, funk e gêneros da moda, tudo feito com passinhos previamente ensaiados
e mostrados com destreza...
Esses
passinhos mereciam um estudo a parte, com mais carinho, aqui só preciso dizer
que eram criados e ensaiados e executados com fervor pelas pessoas! Salve Dete,
Adilsinho, Paulinho, Silmara e companhia! Eu não me deixo fora dessa pois
sempre dancei e incentivava! Acho que essa sempre foi minha missão no Derta:
dançar e fazer o povo dançar! Passinhos, no meio da roda, até o chão.... Lá que
desenvolvi meu conhecido jeito de dançar loucamente da forma que eu quiser! Sempre
chamando a atenção por causa disso. Bem, como sempre digo, parodiando Nietsche:
“Não acredito num deus que não dança até o chão”.
Depois era o momento das músicas gauchescas
onde alguns faziam floreios e outros apenas exibiam o poder de seu vanerão e o
quanto seu xote era mesmo largado. “Em xucra bailanta de fundo de campo...”,
cantava a música. Era agarrar o par e sair se lascando pra pista! Gastando a
sola da bota e arrodiando o vestido imaginário! Momento de também de
dar uma saidinha lá fora e ver como que tava o rolê, hora que tomar um ar, um
gole, fumar um cigarro, fumar, arrumar uns esquemas, conversar com o povo... para mim, uma semi pausa
que eu fazia um pouco de tudo o que citei a cima. Em seguida a parte mais horrível na minha
opinião, e mais amada por muitos, a hora da “lenta”, momento de pegar o esquema
e dançar coladinho com a música sertaneja mais querida (Amado Batista e afins)
ou a musica sertaneja mais ouvida ou a música do par romântico da última novela. Essa hora eu
sumia mesmo! Ai vinha o início da sequência de novo: balanço, gaúcha, lenta
(hora de sair ir embora, se achar ou se perder de vez...) Esta segunda parte
era essencial para a noite. Era ali que você já estaria mais bêbado, pegando
alguém, ou sabendo se foi muita gente ou não foi, ninguém ia chegar depois
disso... e talvez tocasse algo como Guns n Roses, sempre Sweet Shine o Mine,
para acalmar a alma roqueira de alguns...
Os
bailões de sábado eram um pouco diferentes. Iam as pessoas de mais idade, famílias
e pessoas não habituais. Sempre tinham mais sucesso de público que os sarais.
Recordo de grupos como: Os Manos, Os Pirilampos, Tche Pampianos, Alvorada
Campeira, muitos devem ainda existir e fazer o sucesso dos pseudos gaúchos da região... e
as pratas da casa: Os garotos de Entre Rios (que teve uma carreira meteóricas,
mas significativa) e o adorado (que eu admiro muito) Wilson e seus teclados,
meu amigo Wirsinho que eu tanto admiro. Faziam o povo dançar de gastar a sola
da bota e deitar os cabelos. No intervalo, balanço e lenta, depois o conjunto
voltava a tocar e logo terminava. Tinha os eventos especiais como as promoções
do colégio, as “noites não sei o que” (do parafuso, da gata molhada, das
torcidas, do havai, da cerveja, da cuba...), e os bailes de festividades
oficiais como o natal, revelion, pascoa...
Aos
poucos o público foi mudando, outras gerações vieram, muitos desses rebentos
nasceram de encontros ali. Houve mortes também, muita briga, pois o povo não
sabe beber sem dar bafo. Esses acontecimentos trágicos faziam a má fama do
lugar. Falsos moralistas falavam mau do espaço e de quem frequentava. E ainda
tinha aqueles que, por algum motivo, tinham vergonha de dizer que iam lá,
sempre aparecendo bêbados no final como se estivessem se permitindo uma farra
antes de ir na igreja confessar que pecou. Mulheres esperando seus maridos,
escondidas na esquina, os “alemão” que apareciam e logo sumiam, as pessoas que
estava trabalhando em outros lugares (na época Curitiba, hoje Itajaí) que iam
visitar a família e gastar dinheiro e a roupada nova que comprou com o dinheiro
que estava ganhando- tipo ostentação. Mas todos acabavam aparecendo para
expurgar seus males um pouco. No fundo, todos querem ser alegres, mesmo sendo
hipócritas as vezes.
Hoje o Asa Delta não
existe mais! No momento em que eu escrevo o espaço está alugado para uma
igreja. Parece uma ironia gigante essa transformação, mas não é, creio eu. No último Natal, estava eu lá na Vila com minhas amigas
e logo depois da meia noite começou uma sessão de saudosismo; “se tivesse o
Clube, agora tava todo mundo se arrumando para ir, que saudade do Asa Delta! ”...
Como eu disse antes, sempre frequentei o Derta, teve uma época que nem entrada
eu pagava (!), e sempre defendia quando surgia a reclamação geral de que sempre
tocava as mesmas músicas e iam as mesmas pessoas. Reclamação essa super válida,
inclusive! Pois o que meus amigos e amigas não entendiam na época era que lá
estava a nossa liberdade, o nosso espaço, nossos 15 minutos de fama, nossa
oportunidade de ser mais feliz, de dançar sem medo de quem estava lá fora
espiando e criticando! Éramos felizes e não sabíamos. Sei que ninguém imaginava
que um dia ele iria acabar e fomos pegos de surpresa, deixados como órfãos de
uma boemia cabocla, barbara e também ingênua. Nosso lugar comum, de
compartilhar alegrias e frustrações, de amores e dores, sons e fúrias... nosso
templo.
PS: PARA LER OUVINDO ESSA MUSICA
https://www.youtube.com/watch?v=omiMlOkSePY