domingo, 23 de dezembro de 2012

EU E O “NAVIO NEGREIRO” OU NÃO SOU EU QUE ME NAVEGA QUEM ME NAVEGA É O MAR


Ontem foi o dia onde imperou o clima de finalização, pois estávamos apresentando pela ultima vez nossa versão de “O Navio Negreiro”, do Castro Alves com os alunos do Krys e essa me parece a oportunidade perfeita para falar sobre minha relação com esse poema. Desde quando pensei em criar um blog, ficava procurando tópicos que poderiam me valer nessa empreitada e sempre pensava em escrever sobre isso, mas fiquei protelando essa historia toda... pois bem, é chegada a hora.
Minha amiga adorada e professora, a Juca, que me colocou nessa! Vendo que eu gostava tanto do Castro Alves, me pediu para que encenasse pra ela o poema... Eu fiz à egípcia e sorri sem graça, pois conhecia o poema sabia que ele era enooooorme ! Mas ficou a dica... Decorei outro poema, mas não valeu...  Era da fase ultrarromântica dele e a emoção do amor não me caia tão bem assim na época. Mesmo ficando legal, pois era uma das primeiras vezes que fazia uma peça sozinho (coisa q veio a se tornar uma característica minha)! Quando eu, na primeira tentativa frustrada de fuga, sai da Colônia Vitória, Entre Rios (a mesopotâmia que rima jordão com pinhão), para  morar com minha mãe justamente no Jordão, foi quando tudo começou pra valer.
Bateu uma saudade tão grande do meu povo, doía no peito (eu ouvindo a Zélia Duncan cantar que nunca estava lá e que sentir era uma prisão e uma saída), nos finais do dia eu ficava triste por não estar com os meus amigos de verdade (que o são até hoje, diga-se de passagem) e para acalentar essa minha dor decidi ocupar a minha mente com alguma coisa: algo épico, que me fizesse sentir, de certa forma, grandioso, que fosse algo para ser lembrado com carinho... Da mesma forma como eu processava minhas lembranças naquele momento: a flor da pele! Lembrei-me da Juquinha e mais que depressa peguei minha antiga coletânea de poemas do bardo baiano e tracei um plano de meta para decorar aquele poema gigantesco, com palavras dificílimas, frases rebuscadas que me confundiam, mas misteriosamente me encantavam! Era isso! Ia decorar o poema em um tempo recorde e quando visse minha amiga, apresentaria para ela, nem que fosse na casa dela mesmo!
Como o poema é dividido em 6 partes, pensei em decorar uma parte por dia e em uma semana estar consumado  o prodígio! E assim o fiz! Ficava embaixo dos pinheiros que havia em nosso pátio naquela época e, munido de dicionário, queria entender cada palavra dali, falar como se aquelas palavras saíssem da minha cabeça naquele momento... Queria que as rimas fossem esquecidas por quem me ouvisse e que aquela magia que eu outrora senti- entendendo o poema sem entendê-lo em seu sentido concreto, mas no abstrato- também fosse experimentada pelas pessoas. Queria que a criança do jardim de infância, o adolescente pobre, a senhora analfabeta, a executiva exata, o literato humano, o juiz, o ladrão, o policial enfim, todos entendessem e amassem , embarcassem junto comigo no navio! Que todos sentissem o doce ar que a brisa trazia, ouvissem a musica suave que ao longe soava ao mesmo tempo que ouvissem o tinir de ferros, o chicote que estalava, o gemido e o canto misturados, o baque do corpo morto no mar, vessem a dança horrenda da corte que dançava ao som do açoite!
Quando decorei tudo, resolvi ir do Jordão até a Colônia a pé, por uma caminho alternativo que passava pela casa da minha avó, e nas 4 ou 5 horas de caminhada nas solitárias ruas “dos queimado” eu bradaria aos espaços o grito de indignação de Castro Alves. Fiz isso e quase morri de tanto caminhar! Mas deu resultado! Sem modéstia, que não é meu forte marcisita, estava me sentindo o próprio poeta romântico a gritar o seu poema-protesto em praça publica no 7 de setembro de 1868! Falei para Juca, que me convidou para apresentar em uma noite onde os alunos dela iam exaltar os poetas românticos, como jovens  sonhadores em tavernas escuras! E pela rebeldia romântica, que eu sempre gostei, topei e estreei minha performance! As pessoas gostaram! Mas eu queria mais! Inscrevi-me para um evento que tinha na época, conhecido como “noite dos talentos” e com um banquinho, em território dos ricos suábios de olhos azuis, gritei os versos que dediquei a minha Juca, a negra sobrevivente naquele mar de preconceitos em que vivíamos! Acho que essa foi primeira vez que senti que aquela encenação iria fazer a diferença na minha vida!
Passado algum tempo, eu já voltado para morar na Colônia com minha vó, fui cercado de um sentimento horrível de rejeição (que agora não vem ao caso relatar, mas talvez na próxima) que me repelia pra fora daquele lugar! Como se algo me dissesse, da pior forma possível que ali estava minha raiz, mas não era lugar para eu ficar eternamente e na minha despedida, no fim da disciplina de Historia, com a professora mais meiga do mundo a Vanderléa, chamei a Bolinho para me dirigir e o Purga pra fazer a sonoplastia do navio que iria me tirar dali! Em contrapartida a professora convidou a direção do CEEBJA pra assistir e lá estava Neuzinha, Graça, Papi e companhia que me viram e me pegaram pelo braço me levando pra Guarapuava pra me apresentar em um evento deles... E lá conheci a mais Bela do universo, conheci a Adriana também... E um capítulo lindo da minha historia se iniciou!
Foram milhões de apresentações de todos os jeitos: só na sala de aula da Bela foram umas cem vezes (até hoje eu me apresento na sala de aula dela!), na Unicentro também um sem numero de vezes: com iluminação, sem iluminação, maquiado, de cara limpa, com música e movimentos, sem isso tudo; na sala de aula, no corredor, em todas as escolas que me convidavam, para professores, para alunos, para amigos em uma roda de entorpecidos, para meus amigos caretas, na praça, nos ginásios de esportes, na rua, em vídeo conferencia, pela internet, gritando, sussurrando, dançando, estático... E lá se vai a lista gigantesca!
Meus amigos mais antigos chegam a tirar sarro de mim por causa disso! Esse poema se tornou o meu cartão de visita! E quando eu saio da minha zona de conforto e chego a Curitiba, é nesse navio que sou convidado a embarcar! O Krysthian Ratier, o meu artista preferido, me convida para me apresentar ao som dos tambores dos alunos dele! Mais uma vez me sinto como aquele menino memorizando texto entre os pinheiros da casa de minha mãe, como aquele que subiu pra dignificar aqueles que, como ele, viviam entre rios de preconceitos, como aquele cara de cabelos e unhas imensas que agarrava com as duas mãos as oportunidades que lhe apresentavam, ou ainda como aquele que caminhava no sol daquela estrada de chão a falar o texto quilométrico para a plateia imaginária que o ouvia atenta!
Sou toda essa galera junta a remar e a se esforçando para tirar emoções de quem estiver disponível para o encanto da arte! Entre as minhas nuvens também dorme o albatroz, a águia do oceano, e para ele eu sempre imploro para suspender e me dar suas asas, para que eu possa ser todos esses seres que me edificam e me tornam, bem ou mau, esse que sou! Levantai-vos heróis do novo mundo! Pois eu já estou de pé! Terminando esse ano com o pensamento real de que começar com poesia é a melhor forma de mostrar o quanto estamos preparados para o novo, pois ela por si só nos renova... Mesmo uma temática de dor, no caso do poema de Castro Alves, pode transbordar a magia que só a arte pode nos dar: a de que estamos vivos e repletos dos mais inusitados sentidos

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